segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A insurreição no Egito e suas implicações para a Palestina

Egípcios pedem saída do governo do presidente Mubarak - Foto: Matthew Cassel

Ali Abunimah - The Eletronic Intifada
29/01/2011

O mundo árabe está em pleno tremor de terra político e o solo ainda não parou de tremer. Fazer previsões quando os acontecimentos são tão voláteis é arriscado, mas não há dúvida alguma de que o levante no Egito - mesmo se terminar - terá um espetacular impacto na região e na Palestina. Se o regime Mubarak cai, e se é substituído por um governo com ligações menos estreitas com Israel e com os Estados Unidos, Israel será o grande perdedor. Como comentou Aluf Benn no jornal israelense Há’aretz, “o declínio do poder do governo do presidente egípcio Hosni Mubarak deixa Israel num estado de isolamento estratégico. Sem Mubarak, Israel não tem praticamente mais amigos no Oriente Médio; no ano passado, Israel viu sua relação com a Turquia afundar”. Com efeito, observa Benn, “Restam a Israel dois aliados estratégicos, na região: a Jordânia e a Autoridade Palestina”. Mas o que Benn não diz é que esses dois “aliados” tampouco serão preservados.

Eu estava em Doha nessas últimas semanas para examinar os Palestine Papers divulgados pela Al Jazeera. Eles sublinham até que ponto a divisão entre a Autoridade Palestina de Ramallah, sustentada pelos Estados Unidos, e sua facção Fatah, de um lado e o Hamas na Faixa de Gaza, por outro, foram uma decisão política das potências regionais: os Estados Unidos, o Egito e Israel. Uma política que implicasse a imposição de um estado de sítio estrito à Faixa de Gaza pelo Egito.

Se o regime de Mubarak cai, os Estados Unidos perdem um grande aliado na questão da palestina, e a Autoridade Palestina de Abbas perderá um de seus principais aliados contra o Hamas.

Já desacreditada pela amplitude de sua colaboração e capitulação exibidas nos Palestine Papers, a AP será ainda mais enfraquecida. Sem qualquer “processo de paz” com credibilidade para justificar sua “coordenação de segurança” ininterrupta com Israel, ou mesmo a sua própria existência, a implosão da AP bem que poderia começar. Inclusive a sustentação dos Estados Unidos e da União Europeia para a polícia de estado em gestação da AP poderia não ser mais sustentável politicamente.

O Hamas poderá ser o beneficiário imediato, mas não necessariamente no longo prazo. Pela primeira vez em muitos anos vemos importantes movimentos de massa que, se incluem muçulmanos, não são necessariamente dominados ou controlados por eles.

Há também com efeito um espelho para os palestinos: a permanência dos regimes tunisiano e egípcio estava fundada na percepção de que eram fortes, assim como o seria a sua capacidade de aterrorizar uma parte de seu povo e de cooptar outra. A facilidade relativa com a qual os tunisianos expulsaram seu ditador e a rapidez com que o Egito e talvez o Iêmen parecem seguir o mesmo caminho, poderão bem enviar aos Palestinos a mensagem de que as forças de segurança de Israel ou da AP não são assim tão invencíveis como parecem.

Com efeito, a “dissuasão” de Israel já sofreu um golpe importante na sequência de seu fracasso em vencer o Hezbollah no Líbano, em 2006 e o Hamas em Gaza, durante os ataques do inverno 2008-2009.

Quanto à AP de Abbas, jamais o dinheiro dos doadores internacionais foi gasto pelas forças de segurança com resultados tão ruins. O segredo de polichinelo é que, sem a ocupação da Cisjordânia e de Gaza sitiada pelo exército israelense (com a ajuda do regime de Mubarak), Abbas e sua guarda pretoriana teriam caído há muito tempo. Erguido por um processo de paz abusivo, os EUA, a União Europeia e Israel, com a sustentação de regimes árabes em decrepitude, agora ameaçados pelo seu próprio povo, construíram um castelo de cartas palestinas que não deve resistir por muito tempo.

Desta vez a mensagem é talvez que a resposta não é mais uma resistência militar, mas antes a concessão do poder ao povo e uma ênfase maior nos protestos populares.

Hoje, os palestinos formam ao menos metade da população na Palestina histórica – Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza. Se eles se sublevarem coletivamente para exigir direitos iguais, o que Israel poderá fazer para detê-los? A violência brutal e a força de Israel não interditaram as manifestações regulares na cidades de Bil’in e Beit Ommar, da Cisjordânia.

Israel deve acreditar que se responder brutalmente a todo levante de amplitude seus apoios internacionais já precários poderiam começar a evaporar tão rápido como os de Mubarak, cujo regime, parece, sofreu uma rápida “deslegitimação”. Os dirigentes israelenses tem indicado claramente que uma implosão dessa sustentação internacional lhes ameaça mais que uma ameaça militar externa. Com um poder retomado pelos povos, os governos árabes poderiam não permanecer mais silenciosos e cúmplices como estiveram durante os anos de opressão israelense sobre os palestinos.

Quanto à Jordânia, a mudança já está em curso. Eu fui testemunha de uma manifestação de milhares de pessoas no centro da cidade de Amã, ontem (29/01/2011). Esses protestos bem organizados e pacíficos, chamados por uma coalizão de partidos de oposição islâmicos e de esquerda ganharam agora, depois de semanas, todas as cidades do país. Os manifestantes exigem a demissão do primeiro ministro Salir al-Rifai, a dissolução do parlamento eleito (numa eleição considerada largamente como viciada, em novembro), novas eleições, baseadas em leis democráticas, justiça econômica, o fim da corrupção e a anulação do tratado de paz com Israel. E houve manifestações fortes em solidariedade à população egípcia.

Nenhum dos partidos organizadores da manifestação disse que as revoluções do tipo das que ocorreram na Tunísia e está em curso no Egito não ocorrem na Jordânia, e não há razão para crer que esses desenvolvimento sejam iminentes. Mas os slogans escutados durante os protestos são sem precedentes na sua audácia e no seu desafio direto à autoridade. Todo governo reativo às vozes de seu povo deverá rever suas relações com Israel e com os Estados Unidos.

Uma só coisa é certa, hoje: o que quer que ocorra na região, a voz do povo não poderá mais ser ignorada.

Ali Abunimah é co-fundador da Intifada Eletrônica, autor de “Um País: uma proposta audaciosa para terminar o impasse israelo-palestino” e contribuiu com o “Informe Goldstone: o legado do marco na investigação do conflito de Gaza” (Nation Books).

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: Carta Maior, The Electronic Intifada

domingo, 30 de janeiro de 2011

Programa Rádio Manifesto nº 1

Programa de estréia, lançado em podcast. Neste programa apresentamos a proposta da Rádio Manifesto e damos o serviço de alguns shows que acontecem no começo de 2011.

O que tocou: Black Sabbath - Evil Woman / Rage Against The Machine - Freedom / Dio - Stand Up And Shout / Megadeth - Angry Again / Metallica - The Wait / Warlock - Burning The Witches / UFO - Lights Out / Accept - Restless & Wild / Black Label Society - You Must Be Blind / Digital Men - Rádio Manifesto / Detrito Federal - Fim de Semana / Nação Zumbí - A Culpa.

Faça o download do podcast e ouça o programa quando, onde e quantas vezes você quiser.

Contatos do programa: programaradiomanifesto@yahoo.com.br

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

As Artes 1914-1945

Mercado de escravos com busto de Voltaire desaparecendo - Salvador Dalí (1940)

"O motivo pelo qual brilhantes desenhistas de moda, uma raça notoriamente não analítica, às vezes conseguem prever as formas dos acontecimentos futuros melhor que os profetas profissionais é uma das mais obscuras questões da história; e, para o historiador da cultura, uma das mais fundamentais. É sem dúvida fundamental para quem queira entender o impacto da era dos cataclismos no mundo da alta cultura, das artes da elite, e sobretudo na vanguarda. Pois aceita-se geralmente que essas artes previram o colapso da sociedade liberal-burguesa com vários anos de antecedência. Em 1914, praticamente tudo que se pode chamar pelo amplo e meio indefinido termo de 'modernismo' já se achava a postos: cubismo; expressionismo; abstracionismo puro na pintura; funcionalismo e ausência de ornamentos na arquitetura; o abandono da tonalidade na música; o rompimento com a tradiçào na literatura. [...]

Na verdade, as únicas inovações formais depois de 1914 no mundo da vanguarda 'estabelecida' parecem ter sido duas: o dadaísmo, que se transformou ou antecipou o surrealismo na metade ocidental da Europa, e o construtivismo soviético na oriental. O construtivismo, uma excursão por esqueléticas construções tridimensionais e de preferência móveis, que tem seu análogo mais próximo em algumas estruturas de parque de diversão (rodas gigantes, carecas enormes, etc.), foi logo absorvido pelo estilo dominante da arquitetura e do desenho industrial, em grande parte por meio da Bauhaus. [...]

O dadaísmo tomou forma no meio de um grupo misto de exilados em Zurique (onde outro grupo de exilados, sob Lenin, aguardava a revolução), em 1916, como um angustiado mas irônico protesto niilista contra a guerra mundial e a sociedade que a incubara, inclusive contra sua arte. Como rejeitava toda arte, não tinha características formais, embora tomasse emprestados alguns truques das vanguardas cubista e futurista pré-1914, entre elas a colagem, ou montagem de pedaços de imagens, inclusive de fotos. Basicamente qualquer coisa que pudesse causar apoplexia entre os amantes da arte burguesa convencional era dadaísmo aceitável. O escândalo era seu princípio de coesão. [...]

O surrealismo, embora igualmente dedicado à rejeição da arte como era até então conhecida, igualmente dado a escândalos públicos e ainda mais atraído pela revolução social, era mais que um protesto negativo; como seria de esperar de um movimento centrado principalmente na França, um país onde toda moda exige uma teoria. [...] O surrealismo foi uma contribuição autêntica ao repertório das artes de vanguarda e sua novidade foi atestada por sua capacidade de causar impacto, incompreensão ou, [...] de provocar um riso às vezes embaraçado, mesmo entre os membros da vanguarda mais antiga."

HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução: Marcos Santarrita, São Paulo, Companhia das Letras, 1995. p. 178-180.

Abaixo, um dos ícones do surrealismo no cinema, Um Cão Andaluz, de Luis Buñuel e Salvador Dalí, filme de 1928.

Metallica - Orion

Metallica tocando a música Orion, do disco Master of Puppets, no festival Rock am Ring de 2006. Esta música tem um solo de baixo composto por Cliff Burton e é um dos instrumentais mais interessantes do Metallica.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Polícia reprime manifestação contra aumento da tarifa de ônibus em São Paulo

Todo busão tem um pouco de navio negreiro

Pois é, mais uma vez, a Polícia Militar cumpre muito bem o seu papel de "cachorro raivoso", do poder estatal e, de maneira estúpida e imbecil, reprime uma manifestação pacífica, dos cerca de mil descontentes com o aumento para R$ 3,00, da tarifa de ônibus em São Paulo.

Na tarde da última quinta-feira (13/01), a avenida Ipiranga e ruas adjacentes, foram tomadas pela brutalidade dessa horda de burros chucros. Foram disparados muitos tiros (em tese, balas de borracha) e bombas de gás (que soltam estilhaços). As informações dão conta de que, várias pessoas ficaram feridas e outras foram detidas, além de algumas pessoas que tiveram suas máquinas fotográficas e celulares "confiscados" e tiveram seus arquivos deletados pela PM. Mais uma demonstração do tipo de governo autoritário a que estamos submetidos. E a democracia?

O triste disso tudo, é que os escravos fardados se esquecem, que eles e seus familiares também utilizam o transporte público, e assim como o povão (pois, eles também são do povo), terão uma grande parte de seu salário miserável, sendo gasto com a tarifa exorbitante, para andar no transporte carroceiro que o governo e a prefeitura nos oferecem.

Já está mais do que evidente, que a prefeitura está nas mãos da máfia dos transportes (além de muitas outras máfias, é claro). Como sempre, após o aumento da tarifa dos ônibus, seguirá o aumento do metrô e outros meios de transporte público. Ou alguém duvida disso?

Será preciso resistir e reclamar muito ainda, já que os principais jornais e a TV parecem estar ignorando esses fatos. Aliás, a mídia terá muito trabalho, para entreter a população do Brasil inteiro e manter as pessoas tranquilas e dóceis, fazendo o povo esquecer as tragédias que estão acontecendo nesse início de ano, com todas as enchentes e tudo mais.

Abaixo um vídeo que mostra uma boa parte da confusão, ocorrida no entorno da praça da República. Existem vídeos de manifestações que acontecem em outras cidades também, pois, diferentemente do que a maioria pensa, as pessoas não estão aceitando esses aumentos tão passivamente assim.

REFUSE/RESIST... sempre!

sábado, 15 de janeiro de 2011

Zeitgeist - O Filme

Filme gratuito que questiona alguns mitos da sociedade que datam de muitos séculos, assim como a religião sendo realmente o ópio do povo; os eventos de 11 de Setembro de 2001, sendo provocado pelo próprio governo americano com a intenção de criar o medo, para poder tirar as liberdades individuais de seu povo. E o sistema monetário, provocador de inúmeras guerras que pretendem criar no futuro, um governo global, controlando as pessoas através de chips implantados em todos os cidadãos do mundo.

Assista ao filme e reflita sobre vários eventos que ocorrem no dia a dia, nesse grande palco que é a vida em sociedade, tal como a conhecemos na atualidade.


Também é possível encontrar mais informações na página oficial do Movimento Zeitgeist.


quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Digital Men com nova formação

Creck Emerson

2011 começa com ótimas novidades, para os fãs e amigos do Digital Men. Depois de ficarmos uns seis meses à procura de um baixista, finalmente a espera teve fim. No último final de semana concluímos os últimos acertos e já temos o nome do nosso mais novo integrante.

Trata-se do Creck Emerson, baixista experiente e muito fera, que tem diversas bandas e projetos no currículo e, se junta ao nosso time, para dar sequencia à divulgação do nosso mais recente álbum, Rádio Manifesto e continuar escrevendo a história do DM. Em nossa página já é possível conferir o release do cara, que chega trazendo uma bagagem imensa e vem cheio de novas energias, para deixar o nosso som ainda mais poderoso.

Logo, logo teremos novidades e as datas dos shows da estréia do nosso mais novo bassman.

Seja bem vindo ao time, Creck!!

sábado, 8 de janeiro de 2011

Há 180 anos, Líbero Badaró era assassinado

Foto: Odair Faria/Studio 3X

Neste ano de 2011, pretendo colocar algumas postagens sobre pessoas que tiveram relevância na História do Brasil e, por isso, não devem ser esquecidas. E como primeiro nome a ser lembrado, aqui vai um texto muito interessante que encontrei, sobre a morte de Líbero Badaró.
"Esta é a história de um assassinato. Um caso de intolerância política, pistolagem, cumplicidade das autoridades, foro privilegiado do mandante e impunidade de todos os envolvidos. A vítima, como tantas vezes no Brasil, era jornalista. Mas esse não foi um crime como qualquer outro. Foi o primeiro desse tipo na história do país.

Os restos mortais enterrados no Cemitério da Consolação, em São Paulo, são os do médico italiano e editor do jornal Observador Constitucional, Líbero Badaró. Ele faleceu no dia 21 de novembro de 1830, em consequência dos ferimentos causados pelo tiro de pistola, disparado à queima-roupa pelo imigrante alemão Henrique Stock, a mando do desembargador ouvidor Candido Ladislau Japi-Assú. As 24 horas transcorridas entre a emboscada armada diante de sua casa e sua morte deram-lhe o tempo suficiente para que deixasse seu testamento político e fornecesse as informações que permitiriam à polícia prender o autor do disparo.

O cortejo fúnebre ocupou toda a distância entre sua casa, na hoje Rua Líbero Badaró, e a Capela da Ordem Terceira do Carmo, numa distância de aproximadamente 1,2 km, no atual centro histórico da capital paulista.

A morte de Badaró deixou a cidade de apenas 9 mil habitantes à beira da insurreição e gerou protestos em vários pontos do Brasil. Japi-Assú foi julgado e absolvido por seus pares no Rio de Janeiro, convenientemente longe da cena do crime e da pressão popular. A mesma instância judicial reviu a condenação do pistoleiro, absolvendo-o.

O jornalista

Giovanni Battista Libero Badarò nasceu em 1798, na vila de Laigueglia, perto de Gênova. Seu pai era um médico liberal de extraordinária erudição, como atestam gravuras retratando sua imensa biblioteca. Estudou em Gênova e Bolonha, antes de se formar em Medicina, em agosto de 1825, pela Universidade de Turim. Recém-formado, decidiu ganhar o mundo. Tinha 28 anos, mas parecia mais velho. Era alto e magro, usava longas suíças e óculos de lentes redondas.

Badaró chegou ao Brasil, em 1826, atraído por uma terra que, aos olhos de muitos, já era o país do futuro e uma das poucas nações governadas por um imperador tido como liberal que aceitava livremente a submeter-se a uma Constituição. Ainda no Rio de Janeiro, tornou-se amigo de outro jornalista que se destacava pelas ideias liberais, Evaristo da Veiga. Em pouco tempo, ele e seus correligionários viram suas teses perderem terreno perante o avanço das forças conservadoras, diante das quais o imperador Pedro I, que num dia de glória havia sido aclamado como “Pro­tetor Perpétuo do Brasil”, se isolava e assumia atitudes autoritárias a cada dia que passava.

Badaró chegou a São Paulo no início de 1828. Nessa época, os sinais de que a reação conservadora ganhava força estavam por toda a parte e seus líderes eram cada vez mais truculentos. Mesmo assim, ele lançou, em 23 de outubro de 1829, o seu Observador Constitu­cional – um bissemanário sem anúncios, de 30 cm de altura por 20 cm de largura, quatro páginas e vendido por 80 réis, impresso na tipografia do jornal que já circulava na cidade, O Farol Paulistano, de José da Costa Carvalho, com quem se hospedou, antes de alugar uma pequena casa na Rua São José (atual Líbero Badaró) .

Em São Paulo, os reacionários ocupavam os principais cargos provinciais: o de governador, exercido numa interinidade sem fim pelo vice-governador e bispo dom Manoel Joaquim Gonçalves de Andrade, o de comandante de armas, coronel Carlos Maria de Oliva, e o de chefe do Poder Judi­ciário, o desembargador ouvidor Candido Ladislau Japi-Assú. Este odiava especialmente Badaró, por tê-lo lançado no ridículo ao induzi-lo a revelar seu ignorante conservadorismo, censurando peças teatrais que não existiam.

Os redutos liberais eram formados por alguns cidadãos que compunham a pequena burguesia, pelos estudantes da ainda incipiente Faculdade de Direito e pela maioria da Câmara Municipal, que chegou a requerer ao governador em exercício que tomasse providências diante do “procedimento anticonstitucional, arbitrário e tirânico do ouvidor”. Apreensivos, seus amigos cuidavam para que não andasse só. Mas foi só que ele voltou para casa naquela noite de 20 de novembro de 1830.

Crime aconteceu na rua que hoje leva seu nome

Líbero Badaró se aproximava de sua casa entre 10 e meia e 11 horas da noite de 20 de novembro de 1830, quando viu dois homens sentados nas proximidades. Na rua escura, iluminada apenas pela lua cheia, perguntaram-lhe se era o dr. João Baptista Badaró. Diante da resposta afirmativa, disseram que vinham de parte do ouvidor. Badaró mal teve tempo de dizer que não era amigo de Japi-Assú quando sentiu no ventre o impacto do tiro de pistola. A bala causou ferimentos internos incuráveis que lhe provocaram uma agonia dolorosa por quase 24 horas, tempo suficiente para que, na presença de testemunhas respeitadas na cidade, fosse interrogado pelo juiz José da Silva Merciana, cujos “autos da devassa” detalhadamente elaborados permitiram à polícia capturar alguns suspeitos.

Ao juiz, Badaró declarou que não conhecia os atacantes, mas pelo sotaque sabia que eram alemães e, indagado se tinha suspeita de quem eram os responsáveis, não hesitou em apontar como mandante o desembargador-ouvidor Japi-Assú. Era mais do que uma suspeita, pois até o escrivão da Ouvidoria, Amaro José Vieira, em seu depoimento posterior ao crime, disse tê-lo advertido diversas vezes que escutara de seu chefe afirmações de que pretendia matá-lo. O que o jornalista não sabia era que seu assassinato foi cuidadosamente planejado e sua execução – segundo pesquisa de Argimiro da Silveira, publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo em 1890 –, começou numa chácara da Freguezia do Braz, quando ao tenente Carlos José da Costa, vindo do Rio para matá-lo, foi indicado o alemão Henrique Stock para acompanhá-lo, identificar e executar a vítima. Badaró faleceu em consequência de hemorragia interna, às 10 horas de 21 de novembro.

A notícia do atentado a Badaró se espalhou rapidamente e a pequena capital da Província de São Paulo viveu dias agitados, com grupos armados percorrendo as ruas exigindo a prisão dos autores e mandantes do crime. Stock e outro alemão logo foram presos, mas o ouvidor se refugiou na casa do comandante militar, de onde só saiu depois de uma negociação com o bispo-governador interino com a participação de outros membros do Conselho e Governo da Província, entre os quais se destacou o mais tarde regente, padre Diogo Antônio Feijó. A pretexto de protegê-lo da ira popular e sob a alegação de que o acusado gozava de foro privilegiado, foi decidido que Japi-Assú seria conduzido ao Rio de Janeiro, não preso, mas sob escolta, para lá ser julgado."

Carlos Alves Müller é assessor da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília (UnB)
Líbero Badaró

“(...) Terrível liberdade de imprensa, que clama a uns não matarás, a outros não prenderás, não substituirás o teu interesse ao dos mais; não te servirás de autoridade pública para satisfazer as tuas vinganças, não sacrificarás o teu dever ao poder! Incapazes de resistir à evidência dos argumentos positivos sobre que se apoia a necessidade de imprensa, os amigos das trevas se vestem da capa da moral e do sossego público, apontam os abusos desta liberdade, a calúnia, a difamação, as provocações diárias, os axincalhes continuados, que tornam a vida um suplício. É, meu Deus! Os abusos? E do que se não abusa neste mundo? Forte raciocínio! E porque se abusa de uma qualquer cousa, já, já suprima-se? E aonde iríamos com estas supressões? Um mau juiz abusa do seu ministério: suprima-se a magistratura; um mau sacerdote abusa da religião: suprima-se a religião; um mau marido abusa do matrimônio: suprima-se o matrimônio! Forte raciocínio, dizemos outra vez! Suprimam-se os abusos que será melhor. A lei contra os abusos existe; sirvam-se dela; e se não é boa, faça-se outra; e liberdade a todos de esclarecerem os legisladores, pela imprensa livre (...)”

Texto de autoria de Líbero Badaró, publicado no jornal Observatório Constitucional.

Última frase:

“Morre um liberal, mas não morre a liberdade”

Henrique Stock foi julgado pela Junta de Justiça de São Paulo, que o condenou a “galés perpétuas”, iniciando o cumprimento da pena em Guarapuava, no Sudoeste do Paraná. O julgamento de sua apelação da sentença foi transferido para o Rio de Janeiro e entregue ao Tribunal da Relação, cujos membros, em 18 de junho de 1831, haviam absolvido seu colega Japi-Assú, decisão aplicada também ao alemão acusado de autor material do assassinato.

Líbero Badaró foi o primeiro jornalista assassinado no Brasil em virtude do ofício que exercia e o primeiro caso em que os assassinos, beneficiados por suas relações, viveram o resto de suas vidas na impunidade, apesar das provas que os incriminavam.

Cinquenta e nove anos mais tarde, alguns dias após a Pro­­clamação da República, a ur­­na mortuária do jornalista foi transferida da cripta da Capela do Carmo para o Cemitério da Consolação.

Tumores pré-históricos colocam em debate o peso da vida moderna no câncer

Evidências de tumores em crânio exumado em cemitério medieval na Eslováquia


08/01/2011 - 07h00

Por George Johnson
The New York Times

Quando escavaram uma colina de sepultamento na região russa de Tuva, há aproximadamente dez anos, os arqueólogos literalmente encontraram ouro. Encurvados no chão de uma sala interna havia dois esqueletos, um homem e uma mulher, cercados por indumentárias reais de 27 séculos atrás: toucas e mantos adornados com imagens de ouro de cavalos, panteras e outros animais sagrados.

Mas para os paleopatologistas - estudiosos das doenças antigas -, o tesouro mais rico era a abundância de tumores em praticamente todos os ossos do corpo masculino. O diagnóstico: o caso de câncer na próstata mais antigo de que se tem notícia.

A próstata em si já havia se desintegrado há muito tempo. Porém, células malignas da glândula haviam migrado seguindo um padrão familiar, deixando cicatrizes identificáveis. Proteínas extraídas do osso testaram positivo para PSA (sigla em inglês para antígeno prostático específico).

Frequentemente considerado uma doença moderna, o câncer sempre esteve conosco. Onde os cientistas discordam é sobre o quanto ele foi amplificado pelos doces e amargos frutos da civilização. Ao longo das décadas, arqueólogos descobriram cerca de 200 casos possíveis de câncer datando de tempos pré-históricos. No entanto, considerando-se as dificuldades de extrair estatísticas de ossos antigos, isso significa pouco ou muito?

Um recente relatório de dois egiptólogos, publicado na revista "Nature Reviews: Cancer", revisou a literatura, concluindo que existe uma "arrebatadora raridade de perversidades" em antigos restos mortais humanos.

"A raridade do câncer na antiguidade sugere que tais fatores se limitam a sociedades que são afetadas por questões da vida moderna, como o uso do tabaco e a poluição industrial", escreveram os autores, A. Rosalie David, da Universidade de Manchester, e Michael R. Zimmerman, da Universidade Villanova. Também entram na lista obesidade, hábitos alimentares, práticas sexuais e reprodutivas, e outros fatores frequentemente alterados pela civilização.

Na internet, relatos da mídia fizeram a questão soar inequívoca: "O câncer é uma doença criada pelo homem"; "A cura para o câncer: viver como nos velhos tempos". Mesmo assim, muitos especialistas médicos e arqueólogos não ficaram tão impressionados.

Expectativa de vida

"Não existem razões para achar que o câncer é uma doença nova", disse Robert A. Weinberg, um pesquisador de câncer do Instituto Whitehead de Pesquisa Biomédica, em Cambridge, Massachusetts, e autor do livro didático "A Biologia do Câncer". "Em tempos passados, a doença era menos comum porque as pessoas acabavam morrendo cedo, por outros motivos".

Outra consideração, segundo ele, é a revolução na tecnologia médica: "Hoje, nós diagnosticamos muitos cânceres - de mama e de próstata - que, em épocas passadas, teriam passado despercebidos e sido levados ao túmulo quando a pessoa morresse de outras causas, não relacionadas".

Mesmo com tudo isso sendo contabilizado, existe um problema fundamental em estimar a ocorrência de câncer na antiguidade. Duzentos casos podem não parecer muito. Mas a escassez de evidências não é uma prova de escassez. Tumores podem permanecer ocultos dentro dos ossos, e aqueles que fazem seu caminho para fora podem fazer com que o osso se desintegre e desapareça. Mesmo com todos os esforços dos arqueólogos, somente uma fração da pilha de ossos humanos foi coletada, sendo impossível saber o que permanece escondido por baixo.

Anne L. Grauer, presidente da Associação de Paleopatologia e antropóloga da Universidade Loyola de Chicago, estima que existam cerca de 100 mil esqueletos nas coleções osteológicas do mundo todo, e uma grande maioria não foi examinada por raios-X ou estudada com técnicas mais modernas.

Segundo uma análise da Agência de Referência da População, o total acumulado de todos que viveram e morreram até o ano 1 d.C. já se aproximava de 50 bilhões, e havia quase dobrado em 1750 (essa análise refuta a comum afirmação de que haveria mais pessoas vivas hoje do que o total que já viveu na terra). Se essa conta se confirmar, o número de esqueletos no banco de dados arqueológico mal representaria um décimo milésimo de 1 por cento do total.

Nessa minúscula amostra, nem todos os restos mortais estão completos. "Por um bom tempo, os arqueólogos só coletaram crânios", afirmou Heather J.H. Edgar, curadora de osteologia humana do Museu Maxwell de Antropologia da Universidade do Novo México. "Para a maioria, não há como saber o que o resto dos esqueletos poderia dizer sobre a saúde daquelas pessoas".

Então como os cientistas podem avaliar, por exemplo, a importância dos poucos exemplos fossilizados de osteossarcoma, um raro câncer nos ossos que afeta principalmente pessoas jovens? O caso mais antigo foi provavelmente encontrado em 1932, pelo antropólogo Louis Leakey, num parente pré-histórico do homem. Hoje, a incidência anual de osteossarcoma entre jovens com menos de 20 anos é de aproximadamente cinco casos a cada 1 milhão de pessoas.

"Seria preciso examinar dez mil indivíduos para encontrar um caso", disse Mel Greaves, professor de biologia celular no Instituto de Pesquisa do Câncer, na Inglaterra, e autor de "Cancer: The Evolutionary Legacy" (Câncer: O legado evolutivo, em tradução livre). Ainda não foi examinado um número suficiente de restos mortais adolescentes, disse ele, para chegar a uma conclusão significativa.

Existem mais complicações: mais de 99% dos casos de câncer se originam não nos ossos, mas em órgãos mais macios, que entram rapidamente em declínio. A menos que o câncer se espalhe para os ossos, ele provavelmente não será registrado.

Múmias

Teoricamente, as múmias antigas seriam uma exceção. Porém, também aqui as descobertas foram poucas.

Apenas em raras ocasiões os patologistas conseguem colocar as mãos numa múmia comparativamente recente, como Ferrante 1º de Aragon, rei de Nápoles, morto em 1494. Quando seu corpo foi autopsiado, cinco séculos depois, descobriram que um adenocarcinoma, que começa em tecidos glandulares, havia se espalhado aos músculos da bacia.

Um estudo molecular revelou um erro tipográfico num gene que regula a divisão celular - um G havia se tornado um A -, o que sugeria câncer colorretal. A causa, segundo os autores, poderia ser um consumo exagerado de carne vermelha.

Ao longo dos anos, centenas de múmias egípcias e sulamericanas geraram alguns outros casos. Um raro tumor, chamado rabdomiosarcoma, foi encontrado no rosto de uma criança chilena que viveu em algum ponto entre 300 e 600 d.C.

Zimmerman, coautor da recente revisão, descobriu um carcinoma retal numa múmia do período entre 200 e 400 d.C., e ele confirmou o diagnóstico com uma análise microscópica do tecido - a primeira, segundo ele, na paleopatologia egípcia.

"A verdade é que o número de múmias e esqueletos realmente antigos com evidências de câncer é insignificante", explicou ele. "Simplesmente não conseguimos encontrar nada como a incidência moderna de câncer".

Embora a expectativa de vida média fosse menor no Egito antigo do que atualmente, Zimmerman afirma que muitos indivíduos, especialmente os ricos, viviam tempo o bastante para contrair outras doenças degenerativas. Sendo assim, por que não o câncer?

Outros especialistas sugeriram que a maioria dos tumores teria sido destruída pelos invasivos rituais da mumificação egípcia. Porém, num estudo publicado em 1977, Zimmerman mostrou que era possível as evidências sobreviverem.

Em um experimento, ele coletou o fígado de um paciente moderno que havia sucumbido ao câncer metastático no cólon, o secou num forno e em seguida o reidratou - demonstrando, segundo ele, que "as características do câncer são bem preservadas pela mumificação, e que tumores mumificados ficam, na realidade, mais bem preservados que o tecido comum".

Esqueletos

Quanto aos esqueletos, porém, o problema permanece: considerando-se o tamanho reduzido da amostra, exatamente quanto de câncer os cientistas deveriam esperar encontrar?

Para se ter uma ideia por alto, Tony Waldron, paleopatologista da University College London, analisou relatos de mortalidade humana de 1901 a 1905 - período recente o bastante para garantir registros razoavelmente bons, e antigo o bastante para evitar contaminar os dados com, por exemplo, o pico do câncer de pulmão nas últimas décadas devido à popularidade do cigarro.

Contabilizando variações na expectativa de vida e a probabilidade de diferentes males se espalharem aos ossos, ele estimou que, numa "montagem arqueológica", o câncer poderia ser esperado em menos de 2% dos esqueletos masculinos, e entre 4 e 7% dos esqueletos femininos.

Andreas G. Nerlich e colegas, em Munique, testaram a previsão em 905 esqueletos de duas necrópoles egípcias da antiguidade. Com a ajuda de raios-X e exames de tomografia computadorizada, eles diagnosticaram cinco cânceres - número compatível com as expectativas de Waldron. E, conforme previam suas estatísticas, 13 cânceres foram encontrados em 2.547 restos mortais enterrados num ossário do sul da Alemanha entre 1400 e 1800 d.C.

Para ambos os grupos, segundo os autores, os tumores malignos "não apareceram numa quantidade significativamente menor que a esperada", em comparação com a Inglaterra do início do século 20. Eles concluíram que "a atual elevação da frequência de tumores nas populações presentes está muito mais relacionada ao aumento da expectativa de vida do que a fatores básicos ambientais ou genéticos".

Com tão pouco material para prosseguir, a arqueologia pode nunca obter uma resposta definitiva. "Podemos dizer que o câncer certamente existia, e provavelmente numa frequência menor do que a atual", disse Arthur C. Aufderheide, professor emérito de patologia na Universidade de Minnesota e co-autor da Enciclopédia de Paleopatologia de Cambridge. Esse pode ser o máximo de certeza que jamais teremos.

Conforme os cientistas continuam investigando, pode haver algum consolo em saber que o câncer não é inteiramente culpa da civilização. No curso natural da vida, as células de uma criatura precisam estar constantemente se dividindo - milhões de vezes por segundo. Algumas vezes, algo sairá errado.

"Quando você cria complexos organismos multicelulares e permite que células individuais proliferem, o câncer se torna uma inevitabilidade", disse Weinberg, do Instituto Whitehead. "Ele é simplesmente uma consequência da crescente entropia, crescente desordem".

Ele não estava sendo fatalista. Ao longo das gerações, os corpos criaram barreiras formidáveis para manter células rebeldes na linha. Parar de fumar, perder peso, comer alimentos saudáveis e tomar outras medidas preventivas pode adiar o câncer por décadas. Até morrermos de outra coisa.

"Se vivêssemos por tempo suficiente", observou Weinberg, "mais cedo ou mais tarde todos nós teríamos câncer".

Fonte: Uol