Der Spiegel
Ann-Dorit BoyO novo presidente da Rússia está tentando mostrar ao mundo uma face mais liberal, mas a contagem de corpos de ativistas de direitos humanos assassinados continua crescendo. Ser um crítico político na Rússia está se tornando cada vez mais perigoso e agora uma proeminente organização de direitos humanos na Tchetchênia decidiu fechar as portas.
Mais um ativista de direitos humanos foi silenciado em outro ataque brutal. Nesta semana, atiradores desconhecidos dispararam balas de borracha na boca do ativista anticorrupção Albert Pchelintsev, em frente ao seu apartamento em Khimki, um subúrbio de Moscou. O ativista de 38 anos foi seriamente ferido na face e mandíbula, mas sobreviveu ao ataque.
Pchelintsev é presidente de um movimento regional contra a corrupção. Durante o ano passado, ele ajudou a abrir um escritório comunitário onde os cidadãos podiam denunciar e documentar casos de corrupção. Como resultado desse e outros trabalhos, o ativista recentemente passou a ser ameaçado: se não parasse, ele foi alertado que nunca mais poderia falar.
Este é o terceiro ataque contra ativistas russos de direitos humanos a ganhar atenção internacional nas últimas duas semanas. Em meados de julho, a jornalista e ativista Natalya Estemirova, que trabalhava na Tchetchênia, foi sequestrada e morta a tiros. Logo depois o corpo de Andrei Kulagin, da organização Justiça, foi encontrado em um areeiro próximo da cidade de Petrozavodsk, no norte da Rússia. Kulagin defendia um tratamento humano aos prisioneiros e seu desaparecimento, em meados de maio, foi repentino.
O assassinato de Estemirova, em particular, chamou muita atenção internacional -principalmente porque a membro de um proeminente grupo de direitos humanos, Memorial, documentava os sequestros e assassinatos na antiga zona de guerra da Tchetchênia. Atualmente a região é considera uma espécie de buraco negro legal -ela é controlada pelo presidente tchetcheno Ramzan Kadyrov, um protegido do ex-presidente russo Vladimir Putin.
Líder de direitos humanos será processado
Pouco antes de sua morte, Estemirova, que também conhecia a jornalista tchetchena assassinada Anna Politkovskaya, tinha noticiado online a execução de um suposto rebelde pela milícia tchetchena. O escritório de direitos humanos do governo Kadyrov foi então contatado pelo escritório da Memorial em Grozni para expressar descontentamento com a mais recente reportagem de Estemirova. Eles também indicaram que faria bem para ela mudar urgentemente seu modo de trabalho.
Quatro dias depois, a mulher de 50 anos foi forçada a entrar em um veículo, levada para o outro lado da fronteira, para a república vizinha da Inguchétia, a cerca de 100 quilômetros da capital tchetchena de Grozni, e morta com tiros na cabeça e peito. Oleg Orlov, o chefe da Memorial, imediatamente atribuiu a morte de Estemirova a Kadyrov. Este respondeu, dizendo que supervisionaria pessoalmente a investigação, notando que "nós também procuraremos por criminosos usando outros métodos tradicionais". Kadyrov disse que processará Orlov por dizer que ele esteve por trás do assassinato de Estemirova; seu porta-voz disse que um advogado está preparando uma ação para que Kadyrov possa "defender sua dignidade".
Em reação à morte de Estemirova, seus colegas fecharam o escritório da Memorial em Grozni. Orlov disse que eles precisavam de algum tempo para pensar se, e como, prosseguiriam seu trabalho. Ele acrescentou que a organização daria continuidade aos casos nos quais já está trabalhando, por não querer abandonar ninguém. Orlov também reconheceu estar se sentindo muito mal com o fato de Estemirova não ter sido colocada em segurança a tempo. "No mínimo, nós podíamos ter tornado públicas as ameaças que ela recebeu pouco antes de sua morte", disse Orlov. "Esse foi nosso erro."
Condolência presidencial pela ativista assassinada
Como de costume, após o assassinato ou sequestro de ativistas russos de direitos humanos, houve abundante reação internacional -de Bruxelas até Washington. O que foi diferente desta vez é que o presidente russo, Dmitri Medvedev, que estava em Munique realizando conversações com a chanceler alemã Angela Merkel, pareceu realmente perturbado com o incidente. Ele descreveu como valioso o trabalho que Estemirova estava realizando e deu garantias de que os assassinos seriam encontrados e punidos. Medvedev também enviou uma mensagem de condolência ao escritório da Memorial em Grozni.
Em comparação, o ex-presidente russo Putin, que por acaso estava na Alemanha na época do assassinato de Politkovskaya, comentou que a morte desta causou mais dano à Rússia do que qualquer um de seus artigos publicados.
Desde que assumiu a presidência, Medvedev adotou um tom mais liberal que o de seu antecessor. Ele disse mais de uma vez que deseja fortalecer o sistema legal russo e combater a corrupção. Após a morte a tiros do advogado de direitos humanos Stanislav Markelov e da jovem jornalista Anastasia Barburova, em uma rua central de Moscou em janeiro, Medvedev se encontrou com o editor-chefe do jornal altamente respeitado e crítico do Kremlin, "Novaya Gazeta", onde os dois, e também Estemirova, trabalhavam. Pouco depois, ele deu ao jornal sua primeira longa entrevista como presidente.
Fora estes gestos significativos, Medvedev de fato promoveu avanços genuínos nesta área: ele estabeleceu um conselho de direitos humanos e liberalizou as leis que tratam de organizações não-governamentais, removendo ao mesmo tempo muitos obstáculos burocráticos.
Anistia Internacional: direitos humanos estão piorando
Todavia, estes sequestros e assassinatos recentes indicam que a situação dos direitos humanos na Rússia realmente não melhorou. Na verdade, ela parece ter deteriorado. "Há a impressão de que mais incidentes estão acontecendo, além de estarem acontecendo mais regularmente", disse Simon Cosgrove, do escritório russo da organização internacional de direitos humanos, Anistia Internacional. O governo não protege os ativistas e nem investiga os assassinatos. "O governo russo não tomou qualquer medida eficaz para melhorar a situação dos direitos humanos", disse Cosgrove. "Medvedev diz muitas coisas que queremos ouvir, mas também queremos vê-lo transformar suas palavras e atos."
Em maio, a Anistia Internacional divulgou um estudo, "Regra sem Lei: Violações de Direitos Humanos no Norte do Cáucaso", que dizia que a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão eram restritas na região. As minorias, como a comunidade de gays e lésbicas, eram oprimidas e as minorias étnicas eram molestadas por extremistas de direita. E em vez de ser independente, o Judiciário -que já era perigoso e indigno de confiança- era simplesmente um adjunto do poder do Estado. Assassinatos arbitrários, tortura e "desaparecimentos" eram ocorrências cotidianas.
A reação do Ministério das Relações Exteriores russo? O relatório era "tendencioso" e a Anistia Internacional era claramente uma "organização antirrussa".
Tradução: George El Khouri Andolfato
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2009/07/30/ult2682u1261.jhtm
http://www.spiegel.de/international/world/0,1518,639002,00.html
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