sexta-feira, 24 de julho de 2009

Filme que elogia a Rota vira hit em bancas de camelôs

19/07/2009 - 09h07

LAURA CAPRIGLIONE
da Folha de S.Paulo

"Nós somos a verdadeira tropa de elite", grita um soldado com a boina preta e o braçal da Rota, no filme que, lançado há uma semana, já é responsável pela maior fatia de faturamento das barracas de DVDs piratas do centro de São Paulo (ganha, inclusive do infantil "Era do Gelo 3" - e é época de férias).

"Rota Comando" elogia as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, que se orgulha de ser "o terror dos bandidos".
Movido a hectolitros de sangue, drogas, sequestro, assassinatos, estupro e pancadaria generalizada, o filme foi dirigido, escrito, produzido e financiado pelo microempresário Elias Junior, 43, que ainda defendeu um pequeno papel na história.

A inspiração veio de "Tropa de Elite", do diretor José Padilha, que foi patrocinado pela Petrobras, BNDES, Claro e CSN, entre outros.

O blockbuster de 2007, orçamento de R$ 10,5 milhões, bombou primeiro nas barracas dos piratas. Quando estreou em 171 salas, ainda conseguiu vender 2,4 milhões de ingressos. Tornou-se a 11ª maior bilheteria desde a retomada do cinema nacional, a partir de 1995. O precedente era bom demais.

Elias Junior, contudo, não contou com um detalhe. "A Rota é vítima de um preconceito enorme", diz. "São denúncias e mais denúncias infundadas de que a Rota mata inocentes. Eu nunca vi nada disso acontecer."
O diretor afirma que, desde 1994, acompanha as ações da tropa, gravando em vídeo as ocorrências. "Pretendia fazer um documentário", explica.

Em 2007, "Tropa de Elite" estava no ápice do sucesso e Elias Junior resolveu enveredar para um longa "baseado em fatos reais", como define.

Ele acabara de receber autorização da Secretaria da Segurança Pública para fazer tomadas dentro do próprio quartel da Rota, no prédio amarelo de 1892 projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo e fincado na avenida Tiradentes. O filme começava a ganhar vida.

Mas, depois de percorrer nada menos do que 86 patrocinadores, incluindo todos os que deram dinheiro para "Tropa de Elite", o resultado foi "zero, nada, nenhum centavo".

"O Pão de Açúcar me disse que não poderia. Que seu slogan é "lugar de gente feliz", e não "de gente morta". Até entendi", afirmou o diretor, que diz ter bancado a produção com R$ 500 mil do próprio bolso.

"Rota Comando" gastou 30 litros de sangue cenográfico durante as gravações --o volume equivale a todo o sangue contido nos corpos de cinco homens adultos. No filme, todas as vezes, os tiros saem primeiro das armas em mãos dos bandidos. Só depois a Rota atira.

Diretor e filme defendem o método do "esculacho" (gíria que quer dizer desmoralizar, humilhar ou expor a vexação e vergonha) contra presos.

Em uma cena, o bandido leva saraivada de tapas na cara. Em outra, o policial ameaça atirar em um suspeito, a fim de obrigá-lo a entregar seus comparsas. "Bandido é malandro mesmo. É legítimo o uso da "força necessária" para fazê-lo colaborar", advoga Elias Junior, cujo sonho de garoto era ser da Rota.

Vale saco plástico para sufocar, como se vê em "Tropa de Elite"? "Vale chute, tapão na cara, humilhação, "a força necessária" para fazê-lo colaborar", respondeu o diretor.

A principal fonte de inspiração do filme sobre a Rota vem do livro "Matar ou Morrer", do ex-oficial Conte Lopes, hoje deputado estadual (PTB-SP), suposto autor do lema "Bandido não cria nome em São Paulo".

"Matar..." foi publicado em 1994 e pretendia ser uma resposta ao livro do jornalista Caco Barcellos, "Rota 66 - A História da Polícia que Mata", de 1992, que retrata a tropa de elite paulista como um sistemático grupo de extermínio.

Atirador filiado à Federação Brasileira de Tiro Prático, Elias Junior é admirador de Conte Lopes. "Até tentei falar com o Caco Barcellos para o filme. Mas era só de curiosidade. Já sabia que a base da minha obra seria o Conte Lopes."

O apoio da Secretaria da Segurança Pública ao filme materializou-se, segundo o diretor, na forma de reforço policial durante as gravações realizadas em áreas de favelas; e na permissão para tomadas feitas dentro do quartel da Rota.

A Folha perguntou à secretaria o que acha da prática do "esculacho" contra prisioneiros. "Não vamos falar sobre o assunto", foi a resposta.


http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u597129.shtml

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