"O motivo pelo qual brilhantes desenhistas de moda, uma raça notoriamente não analítica, às vezes conseguem prever as formas dos acontecimentos futuros melhor que os profetas profissionais é uma das mais obscuras questões da história; e, para o historiador da cultura, uma das mais fundamentais. É sem dúvida fundamental para quem queira entender o impacto da era dos cataclismos no mundo da alta cultura, das artes da elite, e sobretudo na vanguarda. Pois aceita-se geralmente que essas artes previram o colapso da sociedade liberal-burguesa com vários anos de antecedência. Em 1914, praticamente tudo que se pode chamar pelo amplo e meio indefinido termo de 'modernismo' já se achava a postos: cubismo; expressionismo; abstracionismo puro na pintura; funcionalismo e ausência de ornamentos na arquitetura; o abandono da tonalidade na música; o rompimento com a tradiçào na literatura. [...]
Na verdade, as únicas inovações formais depois de 1914 no mundo da vanguarda 'estabelecida' parecem ter sido duas: o dadaísmo, que se transformou ou antecipou o surrealismo na metade ocidental da Europa, e o construtivismo soviético na oriental. O construtivismo, uma excursão por esqueléticas construções tridimensionais e de preferência móveis, que tem seu análogo mais próximo em algumas estruturas de parque de diversão (rodas gigantes, carecas enormes, etc.), foi logo absorvido pelo estilo dominante da arquitetura e do desenho industrial, em grande parte por meio da Bauhaus. [...]
O dadaísmo tomou forma no meio de um grupo misto de exilados em Zurique (onde outro grupo de exilados, sob Lenin, aguardava a revolução), em 1916, como um angustiado mas irônico protesto niilista contra a guerra mundial e a sociedade que a incubara, inclusive contra sua arte. Como rejeitava toda arte, não tinha características formais, embora tomasse emprestados alguns truques das vanguardas cubista e futurista pré-1914, entre elas a colagem, ou montagem de pedaços de imagens, inclusive de fotos. Basicamente qualquer coisa que pudesse causar apoplexia entre os amantes da arte burguesa convencional era dadaísmo aceitável. O escândalo era seu princípio de coesão. [...]
O surrealismo, embora igualmente dedicado à rejeição da arte como era até então conhecida, igualmente dado a escândalos públicos e ainda mais atraído pela revolução social, era mais que um protesto negativo; como seria de esperar de um movimento centrado principalmente na França, um país onde toda moda exige uma teoria. [...] O surrealismo foi uma contribuição autêntica ao repertório das artes de vanguarda e sua novidade foi atestada por sua capacidade de causar impacto, incompreensão ou, [...] de provocar um riso às vezes embaraçado, mesmo entre os membros da vanguarda mais antiga."
HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução: Marcos Santarrita, São Paulo, Companhia das Letras, 1995. p. 178-180.
Abaixo, um dos ícones do surrealismo no cinema, Um Cão Andaluz, de Luis Buñuel e Salvador Dalí, filme de 1928.
Oi, Rubens,
ResponderExcluiradoreiameipirei!
Parabéns!
Beijos e até quinta!