Pesquisador deu aulas nos primeiros anos da USP e iniciou os estudos que o tornariam famoso no Brasil
SÃO PAULO - O antropólogo e filósofo francês Claude Lévi-Strauss morreu aos 100 anos de idade. Lévi-Strauss lecionou na Universidade de São Paulo nos anos 30. Aqui, realizou seus primeiros estudos de etnologia entre populações indígenas, trabalho que desenvolveu ao longo da vida e que o transformou num clássico obrigatório das ciências humanas.
A USP divulgou nota lamentando a morte do antropólogo: "Estudou na Universidade de Paris e demonstrou verdadeira paixão pelo Brasil, conforme registrado em sua obra de sucesso 'Tristes Trópicos', em que conta como sua vocação de antropólogo nasceu durante as viagens ao interior do país. Lévi-Strauss completaria 101 anos no fim deste mês".
A França reagiu emocionalmente a sua morte, com o presidente francês Nicolas Sarkozy se juntando a oficiais do governo e políticos em tributos ao antropólogo. O ministro do Exterior, Bernard Kouchner, elogiou sua ênfase em um diálogo entre culturas e disse que o país perdeu um "visionário". Sarkozy honrou o "humanista incansável".
A Academia Francesa disse que planeja um tributo ainda nesta semana. Com um programa de filmes, leituras e reflexões sobre sua contribuição ao pensamento moderno. A editora informou apenas sobre a morte de Lévi-Strauss sem dar mais detalhes sobre as causas ou o lugar onde aconteceu. No entanto, de acordo com colegas da Escola de Estudos Sociais, Lévi-Strauss morreu na madrugada do domingo.
Lévi-Strauss foi reconhecido no mundo todo por ter reestruturado a antropologia, introduzindo novos conceitos em padrões de comportamento e relacionamento especialmente através de mitos, em sociedades primitivas e modernas. Durante sua carreira de seis décadas, ele escreveu livros como "Saudades do Brasil" e "O cru e o cozido".
Foi com "Tristes Trópicos", de 1955, que o antropólogo alcançou a fama: um relato do período em que viveu no Brasil entre 1935 e 1939, bem como das expedições que fez ao norte do Paraná, Mato Grosso e Goiás, onde conviveu com tribos indígenas. O livro é considerado um dos mais importantes do Século 20.
Lévi-Strauss, que teria completado 101 anos em 28 de novembro, influenciou de maneira decisiva a filosofia, a sociologia, a história e a teoria da literatura.
Devido à avançada idade, no ano passado, ele não participou pessoalmente dos atos comemorativos de seu centenário. Apesar de tudo, responsáveis do museu Quai Branly, onde há um auditório com o nome do antropólogo, disseram então que o intelectual se mantinha lúcido e em bom estado de saúde.
Apesar de sua longevidade e intensa atividade intelectual desde antes da 2ª Guerra Mundial, Lévi-Strauss, membro da Academia da França desde 1973, goza de boa saúde e se mantém lúcido, como relatou à imprensa Stéphane Martin, diretor do museu Quai Branly de Paris, instituição que abriga um teatro com o nome do célebre antropólogo.
Francês nascido em Bruxelas em 1908, o autor de "Tristes Trópicos" trabalhou como professor na Universidade de São Paulo e na New School for Social Research de Nova York, antes de ser diretor associado do Museu do Homem de Paris e de lecionar no Collège de France até sua aposentadoria, em 1982.
Discípulo intelectual de Émile Durkheim e de Marcel Mauss, e interessado pela obra de Karl Marx, pela psicanálise de Sigmund Freud, pela lingustica de Ferdinand de Saussure e Roman Jakobson, pelo formalismo de Vladimir Propp, entre outros, era também um apaixonado pela música, geologia, botânica e astronomia.
O autor de Mitológicas lecionou como professor desta última disciplina até receber um convite de Marcel Mauss, pai da etnologia francesa, para ingressar no recém-criado departamento de etnografia.
Foi assim que despertou em Lévi-Strauss a curiosidade por um campo do conhecimento no qual desenvolveria uma brilhante carreira e que lhe concedeu um "lugar proeminente entre os pesquisadores do século 20", explicou à Agência Efe o professor de Antropologia Social da Universidade Complutense de Madri, Rafael Díaz Maderuelo.
Sua nova vocação o levou a aceitar um posto como professor visitante na Universidade São Paulo (USP), de 1935 a 1939, estadia que lhe possibilitou realizar trabalhos de campo no Mato Grosso e na Amazônia.
Ali teve estadias esporádicas entre os índios bororós, nambikwaras e tupis-kawahib, experiências que o orientaram definitivamente como profissional de antropologia, campo no qual seu trabalho ainda hoje "continua sendo válido para a maioria dos antropólogos", declarou Díaz Maderuelo sobre o autor de O Pensamento Selvagem.
Após retornar à França, em 1942, mudou-se para os Estados Unidos como professor visitante na New School for Social Research, de Nova York, antes de uma breve passagem pela embaixada francesa em Washington como adido cultural.
Imagem do livro "Saudades do Brasil". Foto: Reprodução
Novamente em Paris, foi nomeado diretor associado do Museu do Homem e se tornou depois diretor de estudos na École Pratique des Hautes Études, entre 1950 e 1974, trabalho que combinou com seu ensino de antropologia social no Collège de France, até sua aposentadoria em 1982, quando dirigia o Laboratório de Antropologia Social.
Discípulo intelectual de Émile Durkheim e de Marcel Mauss, além de interessado pela obra de Karl Marx, pela psicanálise de Sigmund Freud, pela lingüística de Ferdinand Saussure e Roman Jakobson, pelo formalismo de Vladimir Propp etc., é ainda um apaixonado por música, geologia, botânica e astronomia.
As contribuições mais decisivas do trabalho de Lévi-Strauss podem ser resumidas em três grandes temas: a teoria das estruturas elementares do parentesco, os processos mentais do conhecimento humano e a estrutura dos mitos.
O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss. Foto: Reprodução
A teoria das estruturas elementares defende que o parentesco tem mais relação com a aliança entre duas famílias por casamento respectivo entre seus membros que, como sustentavam alguns antropólogos britânicos, com a ascendência de um antepassado comum.
Para Lévi-Strauss, não existe uma "diferença significativa entre o pensamento primitivo e o civilizado", declarou Díaz Maderuelo, pois a mente humana "organiza o conhecimento em processos binários e opostos que se organizam de acordo com a lógica" e "tanto o mito como a ciência estão estruturados por pares de opostos relacionados logicamente".
Compartilham, portanto, a mesma estrutura, só que aplicada a diferentes coisas.
A respeito dos mitos, o intelectual sustenta, desde a reflexão sobre o tabu do incesto, que o impulso sexual pode ser regulado graças à cultura.
"O homem não mantém relações indiscriminadas, mas as pensa previamente para distinguir-las. Desde este momento perdeu sua natureza animal e se transformou em um ser cultural", comentou Díaz Maderuelo.
Para Lévi-Strauss, as estruturas não são realidades concretas, estando mais próximas a modelos cognitivos da realidade que servem ao homem em sua vida cotidiana.
As regras pelas quais as unidades da cultura se combinam não são produto da invenção humana e a passagem do animal natural ao animal cultural - através da aquisição da linguagem, da preparação dos alimentos, da formação de relações sociais, etc - segue leis já determinadas por sua estrutura biológica.
Obras Fundamentais
TRISTES TRÓPICOS: Mais que um livro de viagem, é um clássico da etnologia (1955). Além de trazer detalhes pitorescos das sociedades indígenas do Brasil, o livro discute as relações entre Velho e Novo Mundo e o significado da civilização e do progresso. Lévi-Strauss desloca parâmetros consagrados e questiona viajantes e cientistas. O mundo dos cadiuéus, bororos, nhambiquaras e dos tupi-cavaíbas revelam seus próprios estilos e linguagens.
ANTROPOLOGIA ESTRUTURAL: Publicada em 1958, a obra reúne artigos que propõem um empréstimo das teorias estruturalistas de Roman Jakobson, lingüista que Lévi-Strauss conheceu nos EUA, para renovar o método antropológico. Ela se divide em cinco partes: Linguagem e parentesco; Organização social; Magia e religião; Arte; e Problemas de método e de ensino. A obra será lançada pela Cosac Naify no dia 11.
O SUPLÍCIO DO PAPAI NOEL: A Cosac Naify lança, também no dia 11, O Suplício do Papai Noel, ensaio de 1952. Lévi-Strauss parte da queima de um boneco de Papai Noel em Dijon, França, em 1951, para analisar, por meio da antropologia estrutural, o significado das festas de fim de ano, a comercialização das datas tradicionais e a influência norte-americana nesse processo.
MITOLÓGICAS: Composta por quatro obras - O Cru e o Cozido (1964), Do Mel às Cinzas (1967), A Origem dos Modos à Mesa (1968) e O Homem Nu (1971) - a série analisa 813 mitos de diferentes povos indígenas do continente americano.
DE PERTO E DE LONGE: Em entrevista para o filósofo Didier Eribon em 1988, o antropólogo faz um balanço sobre sua história pessoal, formação intelectual e conceitos-chave de sua teoria.
HISTÓRIA DE LINCE: Segundo Lévi-Strauss, essa obra (1991) é a última incursão pela mitologia americana. Questões presentes em sua produção de mitólogo são retomadas e esclarecidas.
SAUDADES DO BRASIL: Obra de 1994 reúne fotografias feitas entre 1935 e 1939. Lévi-Strauss se deu conta de que poderia descrevê-las, localizando-as no tempo e no espaço, com auxílio da memória afetiva. Saudades de São Paulo, de 1996, também tem um depoimento em que se revisitam imagens de uma cidade onde o gado convivia com carros e bondes.
OLHAR, ESCUTAR, LER: De 1993, é escrita em tom de conversa, inteiramente dedicada à arte.
O PENSAMENTO SELVAGEM: No livro, de 1962, ele focaliza um traço universal do espírito humano - o pensamento selvagem que se desenvolve tanto no homem antigo como no contemporâneo.
Fonte: Estadão Online
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